Depois de uma pausa de 10 dias no blog, quem vê até pensa que fiquei a toa. Pelo contrário, o que mais tenho feito nesses dias é trabalhar. Não com o que eu gosto, que é ciência ou ficção científica, mas no meu emprego mesmo, aquele que paga minhas contas…hehe…
Mas vamos tratar do que realmente interessa…
Hegemonia: O Herdeiro de Basten foi o último livro que li em 2010. O livro, escrito por Clinton Davisson e lançado em 2007 pela Editora Arte e Cultura, é o primeiro de um projeto ambicioso: uma série com vários livros (duas trilogias), numa saga épica de ficção científica e fantasia.
O livro como um todo é muito bom e me agradou muito, especialmente por ser um dos raros exemplos de FC escrita no Brasil que tenta criar uma sociedade totalmente diferente da nossa, com tecnologia avançada e várias raças alienígenas interagindo. Isso faz de Hegemonia um projeto extremamente interessante.
A Hegemonia do título é a maneira pela qual os Disonianos se autodenominam. Isso é devido ao grande domínio e supremacia que eles tem sobre as outras raças da galáxia em que habitam. A capital da Hegemonia é Dison, um mundo artificial gigantesco criado dentro de uma estrutura chamada Concha de Dyson. Essas conchas artificiais de proporções realmente astronômicas seriam estruturas esféricas construídas ao redor de estrelas de brilho enfraquecido com a finalidade de captar o máximo de sua energia para garantir a sobrevivência dos mundos em seu interior. A ideia, proposta pelo físico Freeman Dyson 1959, já foi utilizada outras vezes na FC.
Além do mundo de Dison, a concha criada pelos disonianos abriga outros quatro planetas gigantes artificiais, e é num deles, Elôh, que a história se passa. Elôh é descrito como um mundo absurdamente grande, dividido em vários reinos com diferentes níveis de tecnologia, alguns muito atrasados. O mundo é circundado por um anel de plasma que o ilumina constantemente (não há noite em Elôh) e interfere em seu campo gravitacional. Todos esses fatores impedem uma maior interação entre as diferentes raças, e cria desavenças muitas vezes desnecessárias.
O livro todo é o registro neural gravado por Ron Schowlen, príncipe de Basten, um dos reinos de Elôh. Depois de passar dez anos estudando na capital da Hegemonia, o Príncipe Ron, retorna a seu planeta natal e reencontra seus irmão: Shodan, o rei de Basten e Dúnia, com quem Shodan é casado segundo a tradição de Basten (sim, o rei casa com sua irmã). Problemas antigos e diferenças de opiniões no passado haviam separado os três irmãos, e o clima logo na chegada de Ron é um tanto tenso.
Ron é o típico “garoto mimado”. Tendo passado tanto tempo na capital do império, ele despreza a cultura do seu planeta natal e tem dificuldades na sua readaptação.
Há um paralelo interessante feito entre os planetas Elôh e Dison, a capital. Socialmente, a Hegemonia está decadente, com a maioria da população em Dison optando por viver em realidades virtuais, livres das dificuldades e perigos do dia-a-dia, dando muito valor à sua capacidade científica. Já em Elôh, a população se dedica a atividades mais simples, praticamente não há realidade virtual e a religião se faz muito presente. Os eventos contados neste livro são o prenúncio de uma futura revolução contra o governo da Hegemonia, que abusa incessantemente dos planetas distantes da capital.
A ação realmente começa quando um grupo de marsupiais de um reino distante pede auxílio ao Reino de Basten após suas terras terem sido atacadas por uma tribo de dragões. Shodan então reúne um pequeno exército e parte em socorro aos marsupiais. Gravando tudo em seu diário neural, Ron segue com o irmão, numa missão que vai fazer com que ele se reencontre com sua cultura e com sua família.
A mistura de FC e fantasia é muito interessante. O lado “fantasia” do livro é bem representado pelas diferentes raças de Elôh. Computadores, armas poderosas, aeronaves e submarinos usados por algumas raças se misturam a religião e magia usadas por outras.
Como o livro é um “diário”, a narração é toda em primeira pessoa, no presente, e isso faz com que o livro mantenha um ritmo acelerado, com ação constante. As batalhas com os dragões são surpreendentemente empolgantes. O autor consegue trazer o leitor para dentro da batalha numa narrativa envolvente e muito bem escrita.
Hegemonia: O Herdeiro de Basten tem uma série de qualidades que fazem com que se destaque frente a outras publicações que tenho visto por aí. O projeto parece ser realmente grandioso. A criação de uma raça nova, tecnologias diferentes das nossas e vários planetas interagindo é muito bacana. Também é legal o fato de a FC estar muito presente, ao contrário da avalanche de histórias que apresentam apenas elementos de fantasia.
Nem tudo é perfeito, no entanto. Há uma série de erros de revisão no livro. Da metade pro final eu vi vários erros de português. Além disso, os diálogos travados em Elôh são todos usando um portugûes europeu, sempre usando a segunda pessoa do singular ou plural na conjugação dos verbos. Isso é interessante para mostrar uma diferença entre as culturas de Elôh e da capital Dison, já que Ron, criado na capital, não usa a segunda pessoa na conjugação dos verbos. Um breve diálogo que aparece no início do livro, ainda em Dison, também não usa a segunda pessoa. O problema com esses diálogos é que os erros de revisão ficam mais evidentes. Em muitos casos, a concordância verbal fica meio atrapalhada, e isso me incomodou um pouco.
Os diálogos em si são outro problema. Há muitos deles. Tudo é explicado através de diálogos. Isso provavelmente acontece devido ao fato de o livro ser um diário relatando os pensamentos do protagonista. A impressão que eu tive no final é que Ron é um baita dum tagarela…hehe
Esses problemas podem (e devem!) ser contornados em futuras edições ou nas continuações da série. Por enquanto, o livro não perde em brilho por causa deles, mas seria muito chato vê-los repetidos.
Tirando o que eu mencionei acima, o livro é muito bem feito, com uma capa belíssima (de Osmarco Valladão).
No final das contas, posso dizer que Hegemonia: O Herdeiro de Basten é um livro muito legal, com ciência e fantasia misturadas na dose certa, e tem tudo para se tornar um clássico da FC brasileira. A quantidade de possibilidades abertas nesse primeiro livro da série é enorme e promete muita coisa boa pela frente. O prefácio de Jorge Luiz Calife menciona que se fosse o autor estrangeiro, publicando nos EUA ou no Reino Unido, o livro seria considerado “notável”. Eu digo mais. Acho que já seria um best-seller. Que venham logo as continuações…
Boa resenha!