Outros Brasis

Alguns meses atrás, dando uma volta na Livraria Cultura, eu dei de cara com o livro Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro.

Eu já disse diversas vezes que não sou muito fã de História Alternativa. Acho interessante a ideia, mas não é o que mais me atrai. Nesse caso, no entanto, o “timing” foi perfeito, já que havia poucos dias, eu tinha participado do lançamento do livro Selva Brasil, de Roberto de Sousa Causo. Durante o lançamento, um dos livros mais comentados foi justamente Selva Brasil, especialmente o último texto do livro, A Ética da Traição, elogiadíssimo e que me deixou extremamente curioso.

Isso deve ter sido mais ou menos em maio do ano passado, e eu só fui ler Outros Brasis agora no começo do ano, o que prova que realmente a minha lista de leituras pendentes está realmente atrasadíssima.

Bem, de volta ao livro agora. O autor é Gerson Lodi-Ribeiro, amplamente reconhecido como o autor que mais explora a História Alternativa, ao mesmo tempo em que se esforça constantemente para difundí-la. Na introdução, ele faz um apanhado geral das ideias que o levaram a escrever os textos apresentados no livro, apresentando eventos que poderiam ter resultado num Brasil diferente do que conhecemos atualmente.

O livro é dividido em duas partes, cada uma baseada num “turning point”, ou seja, um evento crítico na História do Brasil que, se tivesse acontecido de forma diferente, poderia mudar toda a nossa realidade.

A primeira parte do livro é O Agente de Palmares, composta por O Vampiro de Nova Holanda e Assessor para Assuntos Fúnebres. Nesta primeira parte, vemos um Brasil no qual a Confederação de Palmares evoluiu para uma nação independente e forte, ao mesmo tempo em que a colônia de Nova Holanda, governada por Maurício de Nassau, manteve-se firme no Nordeste brasileiro. O Brasil colonizado pelos portugueses ficou enfraquecido e tornou-se uma força menor.

A primeira história, O Vampiro de Nova Holanda, mostra como Dentes Compridos chega a Palmares. Dentes Compridos é o último remanescente do povo dos filhos da noite, que são um tipo de vampiros um tanto diferentes dos que temos visto por aí. Sua aparência é a de um índio muito feio, com pés e mãos gigantescos e orelhas pontudas. Quando atacam, são impiedosos e mortais. Segundo suas lendas, o “vidas-curtas” (os seres humanos normais) existem apenas para alimentá-los. Dentes Compridos chega à civilização e se torna uma importante peça no delicado equilíbrio existente entre Palmares, Nova Holanda e o Brasil lusitano. O começo da história, no qual a trajetória dos filhos da noite é contada através do ponto de vista deles, já vale a leitura. É daquelas histórias que não nos deixam soltar o livro um minuto sequer.

A continuação é Assessor Para Assuntos Fúnebres, na qual Dentes Compridos muda-se para Londres e entra em contato com ninguém mais ninguém menos que Jack, o Estripador. A origem do famoso assassino, assim como seus motivos são apresentados de maneira totalmente inovadora e interessante. Novamente, é uma leitura que prende do começo ao fim.

Na segunda parte de Outros Brasis, temos a Pax Paraguaya. Nesta realidade alternativa, a diferença é que o Brasil perdeu a Guerra do Paraguai. Há uma série de diferenças em relação ao mundo que conhecemos. O título Pax Paraguaya é muito interessante, ao nos trazer à mente a Pax Romana, período de relativa paz e progresso trazidos ao mundo dominado pelo Império Romano. Ok, eu admito: conheçi a Pax Romana graças aos quadrinhos do Asterix, mas isso é uma outra história…:D

Crimes Patrióticos: Uma Crônica de Guerras Perdidas nos apresenta o “turning point”, a vitória paraguaia na Batalha de Riachuelo, sob o ponto de vista de um de seus sobreviventes, um militar brasileiro inconformado com a vitória inimiga.

A Ética da Traição mostra os resultados a longo prazo da vitória paraguaia. Tendo o Paraguai como potência, o mundo é bem diferente do que conhecemos. As Guerras Mundiais aconteceram de forma diferente. Ou melhor, aconteceu apenas UMA Guerra Mundial. O mundo ficou muito mais rico do que o nosso, não existe preconceito racial e a pobreza está desaparecendo. Além disso, provavelmente sem o impulso da Segunda Guerra, os Estados Unidos não assumiram a sua posição de destaque no mundo capitalista. O Brasil,  apesar de viver sob a tutela do Paraguai é uma nação forte e poderosa.

A história é narrada por um cientista brasileiro, vencedor do Prêmio Nobel e descobridor de um método para observar realidades alternativas. Como se não bastasse toda a criação de um mundo alternativo, há um interessante jogo político envolvido. Outra coisa: só o nome dessa história já vale um prêmio: A Ética da Traição.

Outros Brasis foi uma leitura surpreendente para mim. Eu já tinha ouvido falar várias vezes desse livro em outras ocasiões, mas sempre de uma maneira meio fria e distante, tipo: “Ah, tem esse livro aí de História Alternativa…”.

Na verdade, o livro é muito bom. Vemos um mundo totalmente diferente do nosso, cheio de ramificações, espaço para mais histórias e uma tremenda criatividade do autor. O fato de o livro “brincar” com a História do Brasil é bem interessante também. Há para nós, brasileiros, uma identificação imediata com os temas e com a ambientação criada pelo autor.

Com certeza, passo a ver a História Alternativa com outros olhos depois de ler Outros Brasis.

5 comentários em “Outros Brasis

  1. “A Ética da Traição”, que foi primeiro publicado na “Isaac Asimov Magazine” N.º 25, com certeza é um dos clássicos brasileiros na ficção curta.

  2. Só por curiosidade, no “thread”

    http://groups.google.com/group/soc.history.what-if/browse_thread/thread/727103a447a3e674?hl=en#

    postado no grupo “soc.history.what-if”, eu examino um cenário alternativo onde o Brasil atual, originalmente ocupado pelos portugueses, acabaria dividido em dois estados soberanos: respectivamente um Brasil híbrido holandês/português/africano no nordeste e parte do norte do país (Pará e parte de Tocantins) incluindo ainda as Guianas, e um “Brasil inglês” no centro-sul, estendendo-se do Uruguai inclusive até Goiás e Mato Grosso do Sul inclusive, contendo portanto os estados do sul e sudeste e parte do centro-oeste do Brasil verdadeiro. Uma terceira parte do Brasil, correspondente ao noroeste do país (AM, AC, RO, RR), seria nesse universo paralelo dividida entre as repúblicas de língua espanhola vizinhas da Amazônia brasileira verdadeira e não é considerada em detalhe na discussão.

    A história do “Brasil holandês” fictício tem algumas semelhanças superficiais com a África do Sul no mundo real, enquanto o “Brasil inglês” fictício lembra em alguns aspectos o Canadá real. Economicamente, o Brasil holandês seria ligeiramente mais rico que o Brasil atual (per capita GDP US$ 18,000), enquanto o Brasil inglês seria um país de renda alta (per capita GDP US$ 38,000).

    Um perfil detalhado dos dois países fictícios e suas respectivas linhas do tempo alternativas podem ser encontrados no link acima. Vale a pena conferir.

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