O escritor e crítico de cinema AdemirPascale está prestes a lançar seu segundo livro, Encruzilhada. Esse final de semana, tive a oportunidade de ler o trabalho, uma novela com pouco mais de cento e vinte páginas que mistura terror, religião, crises amorosas e leves toques de humor.
Encruzilhada conta a história de três personagens. O primeiro é Allan, um jovem de dezenove anos que foi abandonado pelos pais sem motivo aparente. Allan detesta o emprego numa oficina de computadores e é apaixonado por uma garota desde a adolescência. Infelizmente, tudo parece que insiste em dar errado para ele. O segundo personagem é Anderson, um jovem cansado de ser mal tratado e apanhar, e que sonha em ser pugilista para acabar com seus problemas. O terceiro personagem é o Padre Bezequiel, um homem com conhecimento das artes ocultas, com um passado obscuro e cheio de culpas.
As três histórias são interligadas. Sem que seus personagens saibam, Asmodeus, um poderoso demônio saído diretamente do inferno, brinca com suas vidas e seus problemas, tentando satisfazer seus desejos sombrios. Asmodeus é, por sinal, protagonista das cenas mais divertidas e ao mesmo tempo mais assustadoras do livro. Ele é super-poderoso, mandão, interesseiro. Ao mesmo tempo em que causa medo nos personagens, sua atitude sarcástica é divertida ao leitor. Em alguns momentos, me fez lembrar dos demônios de Sandman.
Uma das coisas que gostei no livro foi a maneira como Pascale torna os personagens próximos de nós. Quase toda a ação é passada em São Paulo, na região de Pinheiros, e isso faz com que as coisas sejam bem conhecidas para um paulistano como eu. Além disso, os problemas vividos por eles (apesar de exagerados) são problemas comuns a muitos de nós ou nossos amigos. Falta de dinheiro, emprego ruim, chefe autoritário, a garota mais bonita da escola esnobando, o cara mais chato do bairro pegando no seu pé… quem nunca passou por uma dessas?
A história dos três personagens vai se aproximando com o desenrolar da narrativa até chegar a um clímax empolgante, com um final bacana e surpreendente.
O livro é também uma fonte de referências. Há elementos dos filmes de terror mais conhecidos, o que mostra a predileção de Pascale por esse tipo de arte.
A linguagem que o autor usa é simples. Em determinados momentos chega a ser até simples demais. Uma vantagem é que realmente parece que o autor está na sua frente contando a história. Ainda mais porque a leitura é bem rápida, acho que li tudo em cerca de três horas. Os diálogos são realistas, sem serem forçados.
O lado negativo dessa narrativa simples é que justamente às vezes é muito simples. Em alguns momentos, Pascale conta a história de maneira muito rápida, como se estivesse ansioso por concluir a narrativa. Nos poucos momentos em que tenta escrever um pouco mais “bonito” ele se perde um pouco, e parece que instintivamente volta à linguagem simples.
Sendo um autor praticamente independente, acho que Ademir Pascale fez um trabalho bom em Encruzilhada. Não é uma obra-prima e certamente não marca época, mas prende a atenção do leitor. Todas as pontas são amarradas com a habilidade de um bom contador de histórias que sabe (e reconhece) que está em evolução.
Pascale é um autor extremamente imaginativo. Seu trabalho carece de uma boa revisão, talvez de uma preparação um pouco melhor, mas é evidentemente escrito com o coração. Ele tem a história na cabeça, querendo saltar para fora, e ele permite que isso aconteça. E que fique claro, a história é bem contada. Não estou dizendo que é mal escrita, apenas que poderia melhorar, como o próprio autor reconhece.
Eu recomendo fortemente Encruzilhada para quem gosta de histórias de terror. Há momentos divertidos, assustadores e tensos. As aparições do demônio são mesmo assustadoras, mesmo nos momentos em que ele brinca com um certo humor negro. Com certeza, os leitores não vão se decepcionar.
Ah.. o livro ainda conta com uma “faixa-bônus”, contando a história de Robert Johnson, músico americano falecido em 1938, cuja história pode ter inspirado trechos de Encruzilhada.