Danação

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Poxa, faz um bom tempo que não comento nenhum livro por aqui. Digamos que foi um período “sabático”…:)

Hoje eu gostaria de comentar um livro que li no finalzinho do ano passado e que achei ótimo: Danação, de Marcus Achiles, lançado em 2012 pela Editora Baraúna.

Passei boa parte do ano lendo contos ou antologias, e estava sentindo falta de um bom romance, daqueles que fazem a gente passar a noite lendo, virando página após página, ansioso para chegar ao final.

Danação é um destes romances.

O livro entra na “onda” de valorização do folclore nacional, trazendo uma história de fantasia e terror ambientada em solo tupiniquim, com uma boa dose de pesquisa de mitos e crenças populares.

Esse trabalho já vem sendo bem desenvolvido por alguns autores, em especial, Christopher Kastensmidt, com a Bandeira do Elefante e da Arara, e Roberto de Sousa Causo, com a saga de Tajarê, que já comentei em outras oportunidades. Não escondo de ninguém minha enorme apreciação por essas histórias que são simplesmente brilhantes, portanto, quando Marcus Achiles entrou em contato, me oferecendo um exemplar de Danação para que eu o lesse e avaliasse, fiquei empolgado com a ideia.

A maior parte da história se passa na cidade de Taubaté, num Brasil Colônia cheio de mistérios e superstições, no ano de 1734. A cidade vem sofrendo seguidos e misteriosos ataques, todas as sextas-feiras, que deixam corpos queimados espalhados pelas suas ruas. A população está assustada e desconfiada. Incapazes de reunir evidências conclusivas, seus líderes políticos e religiosos culpam ora escravos fugitivos, ora índios rebeldes, numa tentativa vã de trazer calma aos moradores da vila.

Paralelamente a isso, o leitor passa a conhecer a história de Diogo Durão de Meneses, senhor de engenho, herdeiro de uma outrora próspera família, mas que foi amaldiçoado pelo pior dos inimigos ao tentar recuperar parte do prestígio que tivera. Este inimigo, ninguém menos do que o próprio Diabo, fez com que, de uma forma ou de outra, Diogo perdesse quase tudo que lhe era importante na vida.

Num ato de desespero, o jovem passa a perambular pelas terras do interior paulista, em busca não se sabe muito bem do quê. Redenção, salvação, perdão? Ou simplesmente o direito de morrer, que também lhe vem sendo negado há anos. Ao seu lado, viajam João e Inácio, pai e filho, escravos da família. Por vezes, Diogo é visitado pelo seu maior inimigo, que, de maneira sádica e cruel, lhe aparece na forma que mais poderia feri-lo.

O destino faz com que o jovem chegue a Taubaté, colocando frente a frente as duas maldições. Cabe a ele lutar contra a monstruosidade, uma das figuras mais populares do folclore brasileiro, representada de maneira assustadoramente cruel e sanguinária, que insiste em descontar sua ira na pequena e assustada vila.

O livro todo tem um ritmo muito bom. São momentos, etapas diferentes da história, que vão segurando o leitor. Logo no início, surge o drama do jovem Diogo, enganado, traído e condenado. Os escravos João e Inácio são apresentados, também com seus problemas particulares, seus sofrimentos e dores. A tensão é leve, mas constante, aproximando o leitor dos protagonistas.

Quando o trio chega a Taubaté, a história ganha um outro ritmo, um pouco mais arrastado, com as intrigas, a conversa fiada dos políticos e militares que acham que são donos da vila. O leitor é apresentado a uma vila cheia de pequenas conspirações e atos corruptos, com políticos, militares, escravos e índios convivendo numa paz forçada e instável.

Quando a verdadeira natureza do mal que assola a vila é revelada, o romance ganha um ritmo mais acelerado, podemos dizer que é um primeiro clímax, com o encontro entre Diogo e o monstro. A partir daí, as situações de tensão começam a aumentar de intensidade prendendo a atenção do leitor mais e mais até um desfecho dramático.

Além da história bem contada, o romance apresenta em toda a sua extensão uma pesquisa muito bem feita pelo autor. São pequenos detalhes históricos, expressões antigas e costumes apresentados ao leitor que fazem com que a história se mostre muito mais verossímil. O autor também brinca de maneira habilidosa com os mitos e crenças do nosso folclore, criando uma atmosfera ao mesmo tempo envolvente e assustadora.

Em algumas trocas de email com o autor, descobri que sua pesquisa foi intensa, não só na parte histórica, mas também no uso das palavras e do linguajar típico dos paulistas daquela época, assim como nas diferentes versões das crenças populares. Esse esforço merece um crédito especial, numa época em que há tantas publicações de qualidade duvidosa por aí. Fica evidente o compromisso em oferecer aos leitores um trabalho de qualidade, bem construído e fiel a nossas tradições.

Com tudo isso, Danação revelou-se uma obra extraordinária. Foi uma leitura que me agradou demais e que recomendo fortemente, tendo me apresentado um autor até então desconhecido mas que demonstra muita qualidade em seu primeiro romance.
O final do livro deixa claro que há outras aventuras de Diogo de Meneses  esperando para serem contadas. Espero ansiosamente que o autor as compartilhe conoso em breve.

Há mais informações disponíveis no site: http://folclorefantastico.blogspot.com

Título: Danação
Autor: Marcus Achiles
Total de páginas: 409
Editora: Baraúna
ISBN: 978-85-7923-487-3

8 comentários em “Danação

  1. Obrigado pela resenha, Daniel. Saber que o livro fisga o leitor (acredito nisso, mas impressão de quem escreve é no mínimo suspeita…) é muito gratificante. Nossa história e nosso folclore podem render muitas obras, tenho certeza. Abraços, Marcus Achiles

  2. Já li 2/3 de Danação, e devo admitir que até Diogo chegar em Taubaté, a história não me conquistava, mesmo se falando tanto de que há uma ação desenfreada neste início, creio que foi justamente isso que acabou me deixando “cabreiro”. Admito que inclusive parei o livro e pensei em desistir. Porém quando a história chega em Taubaté, as coisas mudam de figura, saímos de uma viagem com personagens rasos que os Diogo, João e Inácio encontram para nos depararmos com um cenário mais rico e personagens mais interessantes. Devo admitir que não gosto do protagonista, falta algum carisma ao mesmo. Diogo é um tipo de personagem difícil de ser trabalhado, pois além de anti-herói é um homem apático pela sua situação. Torná-lo um protagonista forte que leve a trama nas costas é difícil e sinto que pelo menos até agora, Achiles não conseguiu. É mais fácil gostar de Catarina, “Tião” ou do menino dos dentes pretos do que de Diogo. Uma pena.
    Mas a história é ótima quando a trama principal começa a se desenrrolar e conhecemos todos os personagens de Taubaté.
    Estou ansioso para saber o final. O trabalho histórico é fantástico. Parabéns Achiles pelo livro corajoso.

    1. Tales, acho que você matou a charada quando disse que Diogo é um anti-herói. É justamente por isso que é difícil gostar dele. Muitas vezes ele se mostra ingrato e estúpido, e falta o carisma de um verdadeiro herói. Em relação ao começo do livro, muito tempo é passado mostrando o drama de Diogo, tentando apresentar cada personagem e seus problemas. Talvez esse seja um pecado do livro, mas por outro lado, entendo que essa parte inicial foi bem escrita. Segurou a mim, como leitor. Mas foi só porque achei cada uma das histórias interessantes por si só. Só mais pra frente é que os destinos dos personagens vão se entrelaçar. A pesquisa histórica é, realmente, brilhante. Muito obrigado pelos comentários.

  3. Realmente, Tales. Diogo é um tipo de personagem com chance de empatia zero. Anti-heroi, o pior dos homens, que fez a pior das escolhas, carregando nas costas um carma do tamanho do Everest. A apatia como você diz, acho eu, é o que se espera de alguém que não vê sentido em continuar vivo, não quer se matar pois sabe que o inferno é o destino dos suicidas e vive um dia miserável de cada vez. Mas espero que, a partir do ponto onde está, sinta mudanças nele. Passe a vê-lo com a mesma profundidade e gana pela vida que outros personagens têm. Ele cresce, como João. Até Inácio. E muito obrigado pelas palavras generosas. Foi muito legal mergulhar na história do Brasil e na nossa mitologia pra escrever o Danação, mas saber que o livro empolga também é gratificante pacas.

  4. Acabei de terminar e vou postar uma micro resenha no skoob sobre o livro até este final de semana. De antemão posso adiantar que o livro me surpreendeu positivamente e os ganchos para uma continuação de certa forma foram bem elaborados e instigam para que você queira saber um pouco mais.
    Ah… tirei um pouco da impressão de apatismo de Diogo.

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