Duplo Fantasia Heróica

Algumas semanas atrás, eu coloquei aqui no blog o release do volume Duplo Fantasia Heróica, que seria lançado no final do ano pela Devir Livraria. O volume é composto por duas noveletas de fantasia passadas no Brasil, O Encontro Fortuito de Gerard van Oost e Oludara (Christopher Kastensmidt) e A Travessia (Roberto de Sousa Causo).

Li o livro rapidinho, em duas “sentadas”, uma noveleta de cada vez, e achei simplesmente maravilhoso. A proposta era publicar duas histórias num livrinho em formato de bolso, numa edição mais acessível (leia-se barata). A Devir fez um bom trabalho em “montar” o livro. Ficou realmente “de bolso”, menor que os tradicionais pocket books americanos e com melhor acabamento do que outros livros de bolso que vemos por aí. Eu confesso que achei o livro meio frágil no começo, mas como ele não desmontou e estava bem costuradinho ao final da leitura, acho que ficou legal.

Mas o melhor de tudo realmente fica por conta das duas histórias. O que as duas têm em comum é o fato de mexerem com elementos clássicos do nosso folclore, trazendo aventuras típicas da fantasia tradicional para o território brasileiro. Além disso, as duas histórias apresentam um Brasil mágico, no qual a floresta esconde segredos e criaturas mitológicas.

A primeira noveleta tem o nome muito comprido, por isso vamos chamá-la (com pedidos de perdão ao autor) apenas de O Encontro Fortuito. Devo dizer, inclusive, que não me sinto tão mal com isso porque o próprio site do autor faz essa abreviação…:D. A história se passa em Salvador, no século XVI, portanto pouco tempo depois do descobrimento do Brasil. O aventureiro holandês Gerard van Oost tem como maior desejo juntar-se a uma das bandeiras, aquelas expedições que saíam pelo interior do Brasil desbravando a floresta e caçando riquezas. Ao mesmo tempo, chega a Salvador um carregamento de escravos trazendo o jovem Oludara, um guerreiro valente e valoroso, mas que foi preso na África e trazido ao Brasil para ser vendido. Gerard imediatamente identifica Oludara como o parceiro perfeito para suas aventuras e faz de tudo para comprar a liberdade do escravo, usando inclusive a ajuda de uma figura importante do nosso folclore. O Encontro Fortuito é uma leitura deliciosa, com personagens carismáticos e inteligentes. Gerard e Oludara formam uma dupla com potencial para inúmeras aventuras. O site do autor (www.eamb.org) promete muitas novidades e uma série de histórias com os dois heróis. Espero que venham logo.

A segunda história, A Travessia, é continuação do livro A Sombra dos Homens, publicado também pela Devir em 2004. Eu li esse livro há uns anos e na época gostei muito. Causo criou uma história misturando as tradições dos índios brasileiros com o folclore nórdico. No século XI, o índio Tajarê se apaixona pela feiticeira islandesa Sjala, que vem ao Brasil libertar o deus Loki, mantido em cativeiro aqui. Juntos eles vivem uma série de aventuras até que ela é sequestrada pelas amazonas e Tajarê parte em seu resgate. Depois de uma batalha de proporções épicas (com direito até ao monstro Kraken), Tajarê e Sjala devem percorrer o caminho de volta para sua aldeia. E é aí que começa A Travessia. No meio do caminho, muitos monstros e criaturas mágicas. O que mais me chama a atenção nas história de Tajarê é a maneira como o autor escreve, sempre tentando “falar” como os índios, usando as palavras em ordem diferente, acrescentando ou omitindo artigos. À primeira vista, parece que isso dificulta a leitura, mas não, o leitor pega o ritmo logo e isso apenas faz com que a leitura tenha mais cara de uma narrativa indígena. Não sei realmente qual a base desse modo de escrever, mas com certeza deve ter dado um bom trabalho ao autor. O resultado, acreditem, é muito bom.

A criação de histórias de fantasia com elementos do folclore nacional é muito interessante. Especialmente se os textos são bons. Não sou daqueles que dizem que tudo que é de fora é ruim e que a gente só devia dar valor ao nosso folclore. Acho que nenhum leitor de FC ou fantasia pensa assim. Mas o fato é que nosso folclore tem criaturas incríveis, com muito potencial para histórias fantásticas. Não só isso, mas histórias de heróis, com aventuras de verdade, como estamos acostumados a ver com elfos, dragões e afins. Nossos índios têm lendas interessantíssimas, tanto quanto os povos europeus. O problema, muitas vezes, é que é bem mais fácil escrever sobre temas já conhecidos e com os quais somos constantemente bombardeados pela TV e pelo cinema (e nada de errado nisso, claro!). Em geral, escrever sobre o folclore brasileiro, ou sobre as lendas indígenas, requer um pouco mais de pesquisa e empenho. Mas com certeza material há, e muito.

As duas histórias presentes nesse Duplo Fantasia Heróica sugerem continuações, que eu aguardo ansioso…

Em tempo, o livro é barato e daria um excelente presente de Natal…:).

5 comentários em “Duplo Fantasia Heróica

  1. Muito grato pela resenha, Daniel. A linguagem peculiar usada na Saga de Tajarê não é baseada em nenhuma pesquisa lingüística específica — ela visa apenas SUGERIR um outro modo de falar (e de pensar) que não é aquele que estamos acostumados, e não emular algum suposto dialeto existente. Abraço.

Deixe um comentário