Duplo Fantasia Heroica 2

Recebi recentemente do escritor Christopher Kastensmidt um exemplar do livro de bolso Duplo Fantasia Heroica 2, lançado pela Devir Livraria no último Fantasticon. Assim como o primeiro volume, que comentei aqui, este livrinho também traz histórias do próprio Kastensmidt e de Roberto de Sousa Causo.

A Devir manteve o formato das demais edições dessa coleção (Asas do Vento é o nome do selo), com destaque para a capa bem caprichada (arte de Jonathan Beard).

Eu gostei tanto do primeiro volume que estava meio temeroso de que o resultado não fosse tão bom no volume 2. Felizmente, meus temores não se concretizaram. O livro é muito bacana, a leitura é agradabilíssima, e os dois autores conseguem mostrar que seus universos tem “gordura” suficiente para ainda produzir muita coisa boa.

A primeira noveleta é A Batalha Temerária contra o Capelobo, de Christopher Kastensmidt, continuação de O Encontro Fortuito, encontrado no volume 1 de Duplo Fantasia Heroica (mas que pode ser lido de maneira independente). Dessa vez, os aventureiros Gerard van Oost e Oludara dão a entender que já passaram por diversas aventuras na selva brasileira sempre se safando graças à sua astúcia e sagacidade. Um rápido encontro com um bichinho muito comum em nossas terras, mas desconhecida dos heróis, um tatu-bola (!) acende um alerta, e mostra que o Brasil ainda tem muitos mistérios a serem revelados. Gerard e Oludara ficam simplesmente apavorados com o “monstro”, que eles julgam ser um tipo de rinoceronte mágico. Depois de uma breve conversa com a mesma criatura do nosso folclore que aparece no volulme 1, os dois aventureiros chegam à conclusão de que a melhor maneira de não serem mais pegos de surpresa é aprenderem com os nativos. Decidem então visitar uma tribo de Tupinambás, a fim de aprenderem os mistérios da selva, mesmo correndo o risco de se tornarem refeição na próxima festa indígena. Uma vez na aldeia, os aventureiros precisam provar seu valor enfrentando o Capelobo, uma criatura monstruosa que trazia morte e destruição aos índios. O Capelobo é uma mistura de lobisomem com vampiro, um monstro com força descomunal e com um grito tão pavoroso e estridente que paralisa suas vítimas, deixando-as vulneráveis e indefesas.

A noveleta é muito bem humorada, tem aventura quase o tempo todo, e consegue criar um clima de tensão nos momentos mais importantes. Os dois herois são bem humorados e chegam a ser engraçados em alguns comentários. Gerard e Oludara sentem dor, se machucam, mas sempre conseguem dar um jeito de se livrarem dos perigos. Quase num estilo “Indiana Jones”, sempre conseguem achar uma saída bem elaborada. Nessa aventura, eles ganham a companhia de Arani, uma índia geniosa e “metidinha”, mas extremamente cativante.

Novamente, chama a atenção nessa história o interesse do autor pela cultura brasileira. Eu confesso que nunca tinha ouvido falar do Capelobo. Uma rápida busca no google me mostrou que é uma figura típica do Norte e Nordeste do Brasil, um misto de lobisomem com vampiro. Mas acima disso, o que realmente salta aos olhos é a qualidade do texto de Kastensmidt. O texto flui de maneira agradável, com um ritmo gostoso de leitura. Os momentos tensos são tensos, os descontraídos são descontraídos, os engraçados são engraçados. A batalha contra o Capelobo em si, é realmente de tirar o fôlego.

O autor mantém um site muito bacana para a série de aventuras de Gerard e Oludara. Vale a visita: http://www.eamb.org/brasil.

A segunda noveleta neste volume é Encontros de Sangue, de Roberto de Sousa Causo, continuação de A Travessia (também no volume 1, e que também pode ser lido de maneira independente). O que temos nessa história é mais uma aventura dos índios que habitam o Brasil do século XI. Tajarê, o herói da terra, o guerreiro mais poderoso de que se tem notícia está desaparecido. Sua esposa, a feiticeira Sjala, juntamente com alguns membros da família de Tajarê estão buscando o caminho de volta para sua aldeia depois de meses viajando pela selva. Durante a viagem, descobrem que, com a ausência de Tajarê, tribos rivais estão tramando para tomar o poder e declarar guerra a outra aldeias. O grupo de Sjala assume para si a missão de esclarecer a situação e impedir a guerra que pode causar a destruição da terra em que vivem.

Particularmente, achei Encontros de Sangue bem melhor que A Travessia. O ritmo é mais constante, as aventuras são bem contadas e, mais importante, as sequências de batalha são simplesmente espetaculares. O autor continua usando diversos recursos mágicos na história. Os índio vivem num ambiente onde a magia é realmente comum e aceita por todos. A selva brasileira é uma região de magia forte, na qual seres humanos e criaturas mitológicas coexistem. Sjala, a feiticeira islandesa casada com Tajarê, usa bastante de seus poderes. Mesmo enfraquecida por não estar em seu ambiente natural, ela salva o dia em mais de uma ocasião graças à sua magia nórdica. Neste Encontros de Sangue, Sjala torna-se mais que coadjuvante, desempenhando um papel fundamental na história (muito graças à ausência de Tajarê). No decorrer da história, mais do passado da feiticeira é revelado também, fazendo-nos entender um pouco mais da personagem.

A história como um todo é excelente e uma leitura empolgante. Os melhores momentos são o encontro com os Igpupiaras logo no início, a apresentação do passado de Sjala que é uma aventura a parte, e a batalha entre um jacaré e duas sucuris gigantes, cujo desfecho vai afetar toda a terra. O autor manteve uma maneira típica dos índios conversarem entre si que é bem interessante. Apesar de não ter nenhum tipo de estudo linguístico envolvido, ajuda o leitor a “entrar no clima”.

Roberto de Sousa Causo está com um site renovado, com diversas informações, que vale a pena ser visitado: http://robertocauso.com.br

Tanto A Batalha Temerária contra o Capelobo quanto Encontros de Sangue são ótimas histórias. Recomendo fortemente a leitura.

 

6 comentários em “Duplo Fantasia Heroica 2

  1. Agradeço muito a resenha, Daniel. Tenho certeza de que o Christopher também gostou. Fico especialmente feliz em encontrar em você um leitor que aprecia a proposta de uma fantasia que emprega a “matéria brasileira” — aquilo que nossa história, cultura, geografia, folclore e tradições narrativas têm a oferecer. Certamente, Christopher e eu — além de autores como Simone Saueressig e J. Modesto — mal arranhamos a superfície.

    Eu também gostei de como você destacou a leitura dinâmica que as duas histórias oferecem. Isso também é importante.

    Abraço!

    1. Oi Causo, achei importante destacar o ritmo dinâmico da leitura. Muitas vezes, as pessoas associam histórias dentro do folclore brasileiro a leituras lentas e até enfadonhas. Não é o caso dessas histórias.

      Abraço!

Deixe um comentário